ei,
ei você aí,
você,
que tem medo de si,
você,
que teme ser gente,
você,
que já não acredita
que seja
uma pessoa,
que tem medo
da sua própria força.
é...
ei,
ei você aí,
você mesmo,
que acredita
nas promessas do tempo,
da rotina,
e nas equações.
e que no fim do dia
se confirma
a sina já conhecida,
o destino já esperado.
você,
que acha
que tudo se resolve,
se dissolve,
nesse labirinto,
ao abrir a próxima porta.
você,
que pensa
que aquele anseio,
aquela angústia,
se dissiparão
ao alcançar
a próxima conquista.
você,
que se abrevia
na lei já manuscrita,
na palavra já estabelecida,
na firmeza dos pilares
e na certeza
da consistência
do chão
já pisado.
você,
que já se acostumou
com a comida fria,
em se esquecer
que existe um pôr-do-sol
no fim do dia.
você,
que vive nessa trincheira,
acredita que é uma muralha,
uma fortaleza.
você,
que acha
que pode abrir o noticiário,
consumir certeza,
e encontrar uma sabedoria
que seja eternamente certeira.
você,
que veste a carapuça
e a fantasia
com a serenidade
que seja a cura
por não alcançar
a maturidade
já convencida,
já cristalizada.
você,
que debanda
para o outro lado
da linha,
para a outra margem
que beira esse oceano,
para a beleza do horizonte
do seu lado da fronteira.
eu ainda posso ver você,
posso me encontrar,
posso me perder,
me remendar,
me achar,
me desfazer,
me encarar,
me despedaçar,
ser o lado
mais torto,
mais incerto,
mais bonito,
mais doido,
em você,
mesmo que eu
não seja
você.
mesmo que você
seja eu,
se pareça
tanto comigo,
quando finge,
quando finjo,
dissimulo,
não ver,
não perceber,
tantos medos,
tantos receios,
tantos achados,
tantos perdidos,
tantos incômodos,
inquietos,
pensamentos,
costumes,
sentimentos,
promessas,
crenças,
expectativas,
que um dia
não seja,
o que sou,
o que agora é.
que um dia
exista futuro
em não saber
quem é.
que a gente
possa ser
muito mais
do que já
se sabe,
do que já é
constituído,
convivido,
definido,
estabelecido,
cristalizado,
conhecido,
amadurecido,
esperado.