quarta-feira, 22 de julho de 2020

mais um segundo,
mais um minuto,
a toda hora,

e a gente já sabe
o que vai ser
no fim do dia,

e nunca pareceu
tão tarde
para saber,

e tão poucas vezes
a verdade
foi tão entristecedora
e assustadora:

- menos vida,
mais valia,
mais vala,
mais buraco,
mais abismo,
mais falta.

e quanto falta?

qual o preço?

qual o seu preço?

qual o limite do silêncio?

em que masmorra,
em que rua,
em que sarjeta,
em que buraco,
em que viela,
em que lágrima,

em qual garganta,
em qual janela,
em qual panela,  
em qual grave,
em qual acorde,
em qual agudo,
em qual boca,

mora o grito
que pare
tudo isso?

e quanta gravidade falta?

e qual o número,
ou sinal,
que indique
nessa equação,

que uma vida
não se conta,
não se subtrai,
não se equaciona,
se vive.

e quem se lembra
como era o desenho,
como era fazer
e estar dentro
de um abraço?

e quem se recorda
do ruído da pele
que se abria
para o gesto do toque
quando
no brilho do olho
se revelava um sorriso?

qual é o preço?

qual é o seu preço?

qual é o limite do silêncio?

quanto horror,
quanto terror,
quanto medo,
quanto pranto
ainda falta

para que seja percebida
a realidade absurda
da dor?

para que se sinta
que já não há medida?

qual limite
precisa ser alcançado,
ou ultrapassado,
para que a força
encontre a coragem?

para que esteja vivo
na memória
a necessidade
que o grito
alcance a liberdade?

e nem um grito,
nem uma lágrima,
nem um pranto,
é pouco,
ou suficiente. 

todo luto
é preciso.

toda luta
que pare
tudo isso

e abrace
o futuro,
desate
um novo tempo,
uma nova trama.

luzes acenam
lá de dentro
da escuridão
que envolve
o céu noturno.

posso sentir
o brilho
de uma silenciosa
e estrondosa
constelação
pela transparência
da minha janela.

essa camada espessa
de vidro
me separa,
me fragmenta,
me despedaça.

meus olhos
estão lá
para fora
de mim:

- um brilho
alegre e selvagem
pudesse iluminar...

do lado
de dentro
da transparência
de alguma janela.

só reconheço,
agora,
um sonho.

um desejo
que permanece
vivo
e quente
e bem dentro
e profundo
em mim.

todo mundo
mascarado
nesse inverno.

cada um
no seu quadrado
e com o seu
inferno.

quem quiser
ser solidário
que aprenda
a ser
sozinho.

quem quiser
se guardar
para poder
aguardar
uma nova manhã.

para poder viver.

não basta
se encolher,
se espremer,
para o lado
de dentro.

é necessário
limpar o tato
e as digitais.

livrar os móveis
e os utensílios
de suas marcas,
de seus vestígios.

é preciso
ter tato
que já
não podemos
ter contato.

será que consigo
me salvar
de mim?

me abraçar
na próxima
estação?

será que
ainda existe
uma parte
de mim
que esteja
fora de risco,
para além
do contágio?

quase tudo
que sei,
que já quase
rimei
foi
aprender
a viver
contaminado.

contagiando
para encontrar
algum ar
que seja
tanto puro
quanto parecido
com alguma coisa
que a gente
pudesse chamar
de alma.

agora a gente
clama
por confinamento,
por isolamento.

a prisão,
alcova,
ou cela,
como se chama
agora?

sei que
não podemos
esquecer
o nome desse abismo
que existe
entre nós
e que nos distancia.

o nome dele
ainda é
liberalismo
e não
liberdade.

agora,
mais do que nunca,
sinto falta
do teu grito
de liberdade.

de encontrar
o timbre
da tua alegria.

se essa poesia
te alcançar
por mais longe
que esteja,
por maior
que seja
o medo:

- cante,
baile,
sorria,
chore,
dance

o desejo
de ter
ser menos,

de ser mais,
ser livre
prefiro
que a poesia
não seja
uma sentença
e sim
uma esperança

o quanto
a gente sentencia
a poesia

quando a gente
se preocupa mais
em dizer
o que ela é
e menos
em viver
o que ela pode ser?

que seja!

 dentro da caixa  tem lápis de cor fora da caixa  existem cores  no céu na água do rio  na onda do mar  no arco-íris  no brilho  da íris  de...