escrevi tanto
a palavra vida
e tão poucas vezes
a palavra morte.
agora
me pergunto
se foi por medo.
quando somos
novos e jovens
e a gente se sente
novos e jovens
a morte é um instante
longe,
distante.
quando alguém morre
lentamente
no mesmo tempo
em que o cabelo cresce
e um fio de cabelo fica
na escova de cabelo,
na pia do banheiro,
na fronha do travesseiro,
a gente
pode dizer
que a gente
já esperava.
e assim a dor
parece menor,
parece que dói menos.
quando é de repente,
de supetão,
pode até parecer
mentira,
ou não dá
para acreditar
que a palavra morte
encontrou a morte
naquela pessoa
em toda sua realidade.
falar
não é igual a escrever.
ver
não é igual a imaginar.
viver
não é igual a pensar.
lembrar
não é o mesmo
que sonhar.
lentamente,
ou de forma repentina,
cada morte é única,
cada gente sente diferente.
um beijo na testa,
uma mão sobre a outra.
não querer ver
para ver
se a realidade muda.
se fica diferente
se a gente
não acreditar
nessa
que se apresenta
agora.
de preto,
de chinelos,
descalço,
de gel,
ou despenteado.
em silêncio,
de olhos fechados,
com os olhos abertos
e a alma ferida
e escancarada:
- o luto
existe para quem?
para quê?
é proibido o riso?
é preciso
tomar cuidado
com o excesso
de lágrimas?
o pulso
está mais
acelerado?
e o coração?
será que sai do lugar?
as chaves ficaram onde?
do lado de dentro?
do lado de fora?
e ele que morreu
vai se lembrar
da última dança,
ou da última briga?
o luto é pra gente,
pra gente sentir
esse breve nocaute,
deixemos a morte
e a pessoa morta
em paz.
talvez a gente se lembre
de quando a gente
e ele
ainda compartilhávamos vida.
talvez tenha sido
até antes que a morte
o tenha encontrado.
ou talvez
nem tenha acontecido.
esse poema
é pra falar da morte,
ou da vida?
não é só a vida,
a morte
também deixa
a sua semente.
o luto é pra gente,
que ainda vive,
deixemos a morte
e a pessoa morta
em paz.
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