Meu
amigo poeta,
Meu
amigo bêbado,
Meu
amigo velho,
Magrelo
e velho,
Que
atravessa a noite para entregar uma flor no amanhecer;
Que
é aquela flor,
Que
nasce no meio do asfalto,
Arrancando
pedaços de asfalto
E
atropelando carros;
Que
deixa aquelas lágrimas,
Camufladas
pela ironia e cinismo caminharem pela sua pele,
Às
3 horas da madrugada,
Enquanto
pede um copo d´água,
E
diz insultos rimados com cheiro de álcool,
Com
cheiro de rum,
Com
cheiro de tabaco,
Com
cheiro de cachaça;
Poeta,
calvo, magrelo e corcunda,
Não
quer ir para casa,
Não
quer fechar os olhos,
Conta
histórias de sua musa
Numa
fotografia de um cemitério;
O
sol sempre aparece para lhe dizer que a noite não é infinita,
Para
ferir seus olhos,
Que
lúcidos, por isso embriagados,
Enxergavam
os pontinhos luminosos no céu,
Que
nós chamamos de estrela,
Mas
o poeta chama de verso de uma cantoria
numa
serenata na janela de uma rapariga;
As
buzinas aceleram o seu passo,
As
crianças passam e riem do seu chapéu,
Ele
continua a caminhada com o saco de pães numa mão
E
o de leite na outra;
Seu
lar está longe,
Fica
atrás do próximo arranhacéu,
Depois
que subir e descer ladeiras,
E
passar por aquelas ruas antigas
Que
já aprenderam a dizer o seu nome,
E
se lembrar, novamente,
Daquela
casa velha que ainda inspira poemas;
Seu
lar não existe mais,
Só
existe o sol,
Só
existe o céu azul,
Claro
azul,
Sem
nuvens,
Luminosidade
quente que corta a pele;
Seu
corpo molhado ainda prossegue,
Até
que tombe no meio do dia,
Até
que o cansaço lhe coloque na cama,
E
então de cansaço não haverá força
Nem
para a ironia,
Nem
para o cinismo,
Nem
para as lágrimas camufladas em ironia e cinismo;
Quando
a queda acontecer,
No
meio do dia,
Ou
em cima de sua cama,
Depois
dela será um estado de transe,
Como
a meditação oriental e aqui também;
Sem
um único pensamento,
Sem
uma única lembrança,
Não
haverá energia
Nem
para abrir um sorriso no seu rosto,
Ou
para expressar dor,
Permanecerá
ali,
No
canto,
Perto
da parede fria,
Envolvido
no lençol molhado,
Para
que seus olhos afundados dentro de si
Não
revelem as horas que passaram,
Para
que as batidas de seu coração não sejam aceleradas pelo atraso,
Ou
pela moça que passou,
Para
que a tarde quente,
Clara
e ensolarada
abandone
a existência do poeta,
E
o manto escuro da noite venha lhe cobrir novamente;
E
a lua meia, cheia,
Amarela
ou branquinha,
De
enxerida,
Faça
um buraco em toda essa escuridão,
E
espie os cabelos brancos em sua cabeça;
Permaneça
ali no céu,
Tão
imensa que invade a pele e arrebenta o coração,
Como
uma fenda luminosa no mundo dessa noite,
Convidativa
para conhecer o universo que transborda a solidão.
Na
ponta afiada da língua do poeta,
Na
tinta de sua caneta,
Cada
fantasma:
-
Inconformado com a própria existência pretérita,
Passageira,
Declina
no seu ouvido,
Suavemente,
Melodias
miúdas,
Que
ao se encontrarem,
Produzem
uma atmosfera caótica;
-
Estou no mundo dos vivos:
Diz
o poeta,
Insiste
o poeta;
-
É preciso colocar ordem nesse caos:
Tenta
o velho poeta,
Convencido
que seu corpo magrelo e franzino
Não
pode suportar um coração,
Que
mais parece uma escola de samba
cantando
marchas e gritos de guerra
de
uma Década que não existe mais;
O
futuro é avassalador,
Ele
não é uma brisa,
Como
o trompete e canto cool de Chet Baker,
Que
canta na orelha da janela,
Pedindo
para adentrar a casa;
É
um tufão que arrebenta vidro e madeira,
Estremece
a casa inteira,
Sacode
o esqueleto exprimido na mesa de jantar:
-
Entre a carne vermelha, pulsante, e a sobremesa;
É
necessário uma cerveja gelada,
Estupidamente
gelada,
Para
digerir o sangue ainda quente da carne vermelha,
Para
digerir a distância entre os olhos e a morena que passou,
Atravessou
a paisagem quente e calada da noite,
Com
seus longos cabelos encaracolados,
E
levou a noite do poeta novamente para o caos,
Que
buscava resolver com suas rimas rigidamente calculadas,
Onde
tudo novamente abraçava um lugar graças a deus;
Agora
há um rastro deixado pela morena,
Que
sumiu sem dizer para onde ia,
Onde
mora
E
se voltará algum dia;
Há
aquele cheiro de tabaco mergulhado no ventre da noite,
Que
escorrega pelos dedos finos e ágeis do poeta,
Que
tenta encontrar nas cinzas
O
perfume que desabrochou no seu peito e disse:
-
Vem!
Como
sugeriu a garrafa vazia sobre a mesa de madeira,
E
todas aquelas garrafas cheias gritam o seu nome,
Clamam
para que ele se afaste da mesa de madeira
E
da tinta de sua caneta;
O
rastro da morena é apenas um aviso do que a noite promete,
O
sorriso que o poeta ainda não avistou em sua face
É
a chave na fechadura da porta,
É
o vão preciso para o lançamento imprevisto
Que essa noite precisa;
Nenhum comentário:
Postar um comentário