Eles, que nos perseguem com seus olhos furiosos, que acreditam que seremos dobrados e convertidos em acentos, acenos, para seus discursos tenebrosos, temerosos.
Eles, que nos trarão cruzes, crucifixos, deuses desesperados, aflitos, e verdades inexoráveis para justificar a abundância de suas riquezas incontíveis, incontáveis.
Eles, cujas biografias, como aquele velho cineasta francês, já dizia, circulam pelo mundo como lendas, ou ficções científicas, porque algumas verdades absurdas precisam circular pelo mundo como temas de um romance realista. Portanto, surrealista.
Eles, que retocam o vermelho da boca com a tintura de nossas cores; que criam curas para suas dores com as palavras que emergem diretas de nossos corações; com a tensão e a harmonia dos acordes de nossas canções.
Eles, que sorriem com todos os dentes, sanguinários e afiados, para a cadência do nosso samba; para o drama e a comédia da nossa vida cotidiana. E miram a ferida que parecia já tratada, curada, cautelosamente traumatizada. Agora exposta como os versos, a poesia, que não puderam permanecer no interior de algumas gavetas depois que o brilho da lua cheia atravessou a transparência das nossas janelas para se ver derramada na brancura manchadas dos lençóis amassados que encobrem - revestem - camas e colchões.
Eles querem a ardência da nossa existência insistente que percorre, corre, circula pela noite emergente. Querem a nossa poesia, nossa música, nossa batida, nosso suspiro e nosso silêncio. A força de cada braço, a firmeza de cada pé. O futuro projetado, nossa fé. Nossa esperança. O sorriso, o grito e a lágrima - espontâneas - de nossas crianças.
Querem o ímpeto do nosso desejo, o brilho do nosso olhar em nossa admiração pelo desenlace da paisagem no decorrer da viagem.
Querem a nossa inteligência, nossa sabedoria. Cada uma delas filtrada para ser servida entre o pão e o mel na mesa do café da manhã. Liquidificada com gelo e açúcar para animar a muscultaura. Destilada para encorajar o exercício dos pulmões. A inspiração, a transpiração.
Querem o fogo de nossa paixão sem cura, a ternura da nosa pele, beleza de nossas memórias, o ritmo de nossas histórias, para afinarem a gravidade de suas vozes.
Querem a nossa vitalidade, nossa essência, estripadas, para serem expostas em seus programas bregas - televisivos - de auditórios, públicos, domésticos, adestrados, bem educados.
Querem a nossa pele ressecada, sem a força do músculo, ou a tensão do enervamento, para proteger seus corpos quando é certeira a frieza que se se alastra, se aproxima.
Querem nossos cheiros, odores, aromas e sabores para temperarem carnes alheias, vegetais plantados e colhidos por mãos alheias. Querem o nosso suor para o pronunciamento do estrume adquirir veracidade na atmosfera rarefeita de algum perfume.
E depois que a gente já não seja a gente. Depois de triturados, moídos, ressecados, extraídos, estripados, pretendem um lixo que se não se pareça, que não tenha cara e o cheiro de um lixo, para as nossas carcaças, restos e sobras.
domingo, 31 de março de 2019
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