sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

enquanto ela não vem, 
escrevo poemas, 
enquanto sonhos não se realizam, 
escrevo poemas. 

enquanto peço 
ao meu coração 
que fique tranquilo 
e não tema o frio, 
escrevo poemas. 

procuro uma dobradura no tempo, 
uma dimensão que reduza a pressa, 
outra que amplie, 
amplifique, 
o instante em que 
a poesia vem. 

busco estender a curva 
nos últimos minutos 
que antecedem 
a próxima hora
pra que dure mais 
esse tempo 
quando parece 
que o tempo 
não passa, 
ou não tem pressa, 
nem pede para acelerar. 

quando abro a janela 
a escuridão 
já envolveu o céu,
me lembro da garota que falava 
das estrelas 
que brilham no céu 
enquanto fumava 
e bebia vinho 
e o calor 
da fogueira 
que acendíamos 
reluzia no seu rosto, 

em suas pálpebras 
quase fechadas, 
no pequeno vermelho 
que se abria 
em seus olhos. 

naquelas noites, 
ela estava bem perto, 
sentada a um palmo, 
a um segundo, 
ou a um passo, 
de distância. 

sua mão 
podia se estender, 
seus dedos 
podiam se abrir, 
a minha também, 
meus dedos também. 

aquele pequeno vão
entre mim e ela, 
entre a minha pele 
e a dela, 
se abria pelas horas noturnas, 
ou para quando não sabíamos 
se era manhã, 
alvorecer, 
crepúsculo, 
ou madrugada. 

pareciam muitos miúdos fragmentos de tempo infinitos, 
cada um deles habitado 
pela vibração 
que emanava 
do toque, 
que deixava rubro a carne do dedão, 
nas cordas do violão. 

evocava 
a voz que não tinha, 
a nota, 
que não saberia 
a pronuncia, 
para a insurgência 
dos versos 
que transitavam a latência 
de alguma possibilidade 
de semente. 

agora busco, 
procuro, 
quem sabe, 
ou poderá saber, 
que ao final 
desta página, 
que naquele canto lateral, 
logo ali, 
bem abaixo, 
no ponto que termina 
ao pé 
da nota 
de rodapé, 
existe um verso. 

basta virar o lado 
da folha branca 
com letras batidas, 
pretas e pequenas, 
para conhecer 
o outro lado 
que convida um verso, 

enquanto espero, 
enquanto sonho, 
enquanto não chega o sono, 
enquanto pareço vivo, 

enquanto minhas mãos 
quando tocam o meu peito 
parecem sentir alguma coisa 
que chamo de coração, 
mas não sei 
se é meu, 
se é da garota 
que mora 
nas minhas lembranças, 

se pertence aos ruídos 
que emanam dos carros 
que passam pelas ruas 
e atravessam esquinas, 

se é de alguém, 
se é de ninguém, 
se é que existe, 

se adormeço 
confiante 
que ele esteja vivo, 
que continue a bater 
palavra 
por palavra, 
poemas 
que sonho escrever.

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