olhos,
que não lacrimejam.
lágrimas,
aonde estão?
onde está a voz
da minha dor?
pálpebras
pesam tanto
tanta solidão.
íris
sente medo
de abrir e fechar.
pupila
já não sabe
se é miragem,
ou se é real,
o toque da luz.
agora é deserto,
ou ainda
não tem fim
essa viagem?
janelas de ferro
e enferrujadas,
cadê a alma?
depois das fronteiras,
torres e lama,
chuva e granito.
trincheiras
e arame farpado
no coração.
não são meus olhos que você vê
ouro ferro cobre carvão e petróleo
não são meus olhos que você vê
taxas juros lucros e capital
não são meus olhos que você vê
braços armados
palavras vazias
não são meus olhos que você vê.
são estrelas
que já perderam
o brilho
e a cadência
de tanto testemunharem
o breu
da nossa escuridão.
vagalumes acorrentados
à imensidão luminosa. Grandeza,
que não respeita
a potência
da pequena chama.
você não sente,
mas esse é o cheiro
do sofrimento
que não encontrou
o abraço do sangue.
você não sente,
mas esse é o cheiro
das feridas,
que não foram abertas;
das memórias,
que não foram tecidas;
das histórias,
que não foram contadas.
e o silêncio solicita urgência.
devolva
minhas cicatrizes
e a beleza
de cada sonho
perdido
e não realizado.
pequenas chamas erguem,
se levantam,
se esparramam
pelo chão da cozinha
e pelo black out
do cinza
e branco
da cortina.
entre as rachaduras do teto
cicatrizes sobreviventes
anunciam a existência
de vida
e de força
para além
das paredes,
dos muros erguidos,
das telhas e tetos,
ao nosso redor
e sobre as nossas cabeças.
não deixe o amor morrer
dentro do seu coração.
olhos,
que não lacrimejam,
não deixem
o amor.
lágrimas perdidas
não deixem o amor
se fechar
dentro do coração.
olhos já
não sejam
testemunhas.
procurem,
desertem da guerra,
abracem os amigos,
se libertem das trincheiras
e dos arames farpados.
depois daquela fronteira,
ao redor da ilha,
embaixo da ilha,
dentro da ilha,
existe oceano.
para além
de países
e continentes,
existe oceano:
- perspectiva,
força,
imensidão
e profundidade