sábado, 29 de abril de 2017

Agora,
Que a minha mão aprendeu,

Um pedaço da alma
Fica na nuca.

Agora,
Que cada dedo meu
Aprendeu

Que nasceu
Entre um fio e outro
De cabelo seu.

É minha pele que sonha com a canção da tua mão,
Teus olhos
Que me ensinaram
A enxergar
Dentro da escuridão.

Mesmo hoje,
Ainda não sei,
Se era o meu coração
Que ouvia bater
Dentro do teu peito;

Ou como foi que a minha alma
Resolveu
Convidar a tua
Para o baile solitário
Da noite fria.

Havia tanto medo na minha boca,
Como na pele que encobria
A tua mão.

Havia tanta alegria na minha língua
Como no sorriso
Que se expandia
Pela tua face
Noite adentro.

Tanto enigma na tua partida,
Daquela última vez,
Quando teus olhos
Alcançaram os meus.

Tanta pegada apagada,
Para aprender
A não reconhecer
Que o meu peito
Não bastava
Para o teu coração.

Que a minha pele
Já não era o canal
Que a tua alma tecia
Para assoprar
A vida que você
Ainda procura.

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Meu amigo poeta,
Meu amigo bêbado,
Meu amigo velho,
Magrelo e velho,
Que atravessa a noite para entregar uma flor no amanhecer;

Que é aquela flor,
Que nasce no meio do asfalto,
Arrancando pedaços de asfalto
E atropelando carros;

Que deixa aquelas lágrimas,
Camufladas pela ironia e cinismo caminharem pela sua pele,
Às 3 horas da madrugada,
Enquanto pede um copo d´água,
E diz insultos rimados com cheiro de álcool,
Com cheiro de rum,
Com cheiro de tabaco,
Com cheiro de cachaça;

Poeta, calvo, magrelo e corcunda,
Não quer ir para casa,
Não quer fechar os olhos,
Conta histórias de sua musa
Numa fotografia de um cemitério;

O sol sempre aparece para lhe dizer que a noite não é infinita,
Para ferir seus olhos,
Que lúcidos, por isso embriagados,
Enxergavam os pontinhos luminosos no céu,
Que nós chamamos de estrela,
Mas o poeta chama de verso de uma cantoria
numa serenata na janela de uma rapariga;

As buzinas aceleram o seu passo,
As crianças passam e riem do seu chapéu,
Ele continua a caminhada com o saco de pães numa mão
E o de leite na outra;

Seu lar está longe,
Fica atrás do próximo arranhacéu,
Depois que subir e descer ladeiras,
E passar por aquelas ruas antigas
Que já aprenderam a dizer o seu nome,
E se lembrar, novamente,
Daquela casa velha que ainda inspira poemas;

Seu lar não existe mais,
Só existe o sol,
Só existe o céu azul,
Claro azul,
Sem nuvens,
Luminosidade quente que corta a pele;

Seu corpo molhado ainda prossegue,
Até que tombe no meio do dia,
Até que o cansaço lhe coloque na cama,
E então de cansaço não haverá força
Nem para a ironia,
Nem para o cinismo,
Nem para as lágrimas camufladas em ironia e cinismo;

Quando a queda acontecer,
No meio do dia,
Ou em cima de sua cama,
Depois dela será um estado de transe,
Como a meditação oriental e aqui também;

Sem um único pensamento,
Sem uma única lembrança,
Não haverá energia
Nem para abrir um sorriso no seu rosto,
Ou para expressar dor,
Permanecerá ali,
No canto,
Perto da parede fria,
Envolvido no lençol molhado,
Para que seus olhos afundados dentro de si
Não revelem as horas que passaram,
Para que as batidas de seu coração não sejam aceleradas pelo atraso,
Ou pela moça que passou,
Para que a tarde quente,
Clara e ensolarada
abandone a existência do poeta,
E o manto escuro da noite venha lhe cobrir novamente;

E a lua meia, cheia,
Amarela ou branquinha,
De enxerida,
Faça um buraco em toda essa escuridão,
E espie os cabelos brancos em sua cabeça;  

Permaneça ali no céu,
Tão imensa que invade a pele e arrebenta o coração,
Como uma fenda luminosa no mundo dessa noite,
Convidativa para conhecer o universo que transborda a solidão.

Na ponta afiada da língua do poeta,
Na tinta de sua caneta,
Cada fantasma:
- Inconformado com a própria existência pretérita,
Passageira,
Declina no seu ouvido,
Suavemente,
Melodias miúdas,
Que ao se encontrarem,
Produzem uma atmosfera caótica;

- Estou no mundo dos vivos:
Diz o poeta,
Insiste o poeta;

- É preciso colocar ordem nesse caos:
Tenta o velho poeta,
Convencido que seu corpo magrelo e franzino
Não pode suportar um coração,
Que mais parece uma escola de samba
cantando marchas e gritos de guerra
de uma Década que não existe mais;

O futuro é avassalador,
Ele não é uma brisa,
Como o trompete e canto cool de Chet Baker,
Que canta na orelha da janela,
Pedindo para adentrar a casa;

É um tufão que arrebenta vidro e madeira,
Estremece a casa inteira,  
Sacode o esqueleto exprimido na mesa de jantar:
- Entre a carne vermelha, pulsante, e a sobremesa;

É necessário uma cerveja gelada,
Estupidamente gelada,
Para digerir o sangue ainda quente da carne vermelha,
Para digerir a distância entre os olhos e a morena que passou,
Atravessou a paisagem quente e calada da noite,
Com seus longos cabelos encaracolados,
E levou a noite do poeta novamente para o caos,
Que buscava resolver com suas rimas rigidamente calculadas,
Onde tudo novamente abraçava um lugar graças a deus;

Agora há um rastro deixado pela morena,
Que sumiu sem dizer para onde ia,
Onde mora
E se voltará algum dia;

Há aquele cheiro de tabaco mergulhado no ventre da noite,
Que escorrega pelos dedos finos e ágeis do poeta,
Que tenta encontrar nas cinzas
O perfume que desabrochou no seu peito e disse:
- Vem!

Como sugeriu a garrafa vazia sobre a mesa de madeira,
E todas aquelas garrafas cheias gritam o seu nome,
Clamam para que ele se afaste da mesa de madeira
E da tinta de sua caneta;  

O rastro da morena é apenas um aviso do que a noite promete,
O sorriso que o poeta ainda não avistou em sua face
É a chave na fechadura da porta,
É o vão preciso para o lançamento imprevisto
Que essa noite precisa;

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Se a barreira do teu silêncio
Foi rompida naquela manhã
Era apenas a palavra que havia
Alcançado a tua orelha.

A flor muda que habitava teu coração
Esclarecia que já não era o som da voz
Que anunciava a existência
No compasso da tua batida;

Foi a mulher e não a musa
Que encontrou na pele
A verdade que estremecia a alma;

Foram as mãos cicatrizadas e feridas
Que encontraram os lábios aprendizes
Do poeta infante;

Os olhos envelhecidos
Pelo vestígio de estrela
Que contornava as pegadas abandonadas
No rastro da tua partida;

O poeta buscaria entre acentos e exclamações,
Uma virgula que separasse o sonho
Da realidade da tua ausência,
Um ponto final que não fosse engolido
Pela trajetória da memória,

Mas a imagem não é apenas consciência,
E foi você quem desbravou as vertigens,
Reconheceu a lágrima caída,
A alegria inusitada,
Nas cores que indicavam um novo horizonte,
Outro céu,

Nova vida.
Infinitude do claro: vão
Sozinhos perdidos
No silêncio aflito
Do teu coração

Heroico desvio
Salto
Dentro da noite
Morro
Aflito é tu,
Coração
Será transparente a janela ou é um vão na parede?

Haverá essa camada fina de vidro
Entre a escuridão da noite
E a segurança das paredes brancas e frias?

O que separa os ruídos noturnos
Da textura do coração
Ou da densidade da alma?

Foi o sonho ou o silêncio
Que disse que era sutil sopro de vida
E não ausência?

Era uma borboleta que entrou na tarde de sábado
Sem pedir licença,
Que manteve suas asas abertas
Enquanto pousada
Num canto qualquer da casa;

Era ela que convidava medo e encantamento
Para comparecerem na mesa da cozinha,
Que encontrava lugar no mesmo cômodo
Habitado pelas teias de aranhas que teciam solidão,
Que tinha o jeito inusitado
De ousar pronunciar receio ou estranhamento;

Era uma borboleta a tatuagem no peito coberto de pelos dele
Que flertava com os vãos entre as grades;

Que sonhava em se atirar lá do alto,
Direto na água,
Para que a correnteza cumprisse
O seu destino na pele dele;

Ossos,
Boca,
Vestígios de esperança;

Eram as sobras de sua existência
Que desafiavam a solidão em sua cela,
Na masmorra,
Na penitência,
Na ilha envolvida pelo oceano;

Era uma borboleta no peito da garota
Com a camiseta cor de framboesa;

Ela que devorava vertigens,
Que tinha planos de fuga,
Que parecia um camaleão,
Que esculpia sonhos na masmorra ou na penitência,
Naquela ilha coberta de pelos no coração
Da borboleta que habitava o peito dele,
Penitente,
Prisioneiro,
Confidente das teias de aranhas
Que teciam os ruídos noturnos
Na textura de sua alma;

Existe ela, a densidade, na camada fina do silêncio?

Era o toque de suas mãos ágeis na madeira da porta?

O teu punho que atravessa,
Teus dedos que expremem,
As batidas que escorrem pelos tendões a nu,
Teu corpo desvelado:
- Vísceras,
É o que temos para o jantar.
Incabível qualquer adjetivo
Para expressar a colisão,
Puro acidente,
Talvez,
Ou desatenção.

Provavelmente um ruído
Foi o abismo ouvido
Quando a emergência daquela fricção,
Distorção.

Todos os sons,
Agora,
Irreconhecíveis,
Melodias impossíveis,
Espaço, eco,
Simplesmente barulho escondido,
Quase silêncio ou ruído.


Sobra entre os instantes da harmonia.
Precipitação,
Precipício;

Abismo;

Crepúsculo pressentimento,
Sentido disposição;

Uma saída;

Alternativa,
Canal,
Cais;

A vida ainda me habita;

Deixe o silêncio rugir,
Cabeça vazia é casa,
Pensamento não pergunta
Se a porta está aberta;

A vida ainda me habita;

Destrinchado músculo,
Tensão vibra,
O ócio denuncia
Corpo entregue,
Já não é meu;

A vida ainda me habita;

Há vida,

Ainda 
Entre o verso, o ritmo,
a rima e a vida,
Fica esse resto,
Entulho,
Isso,
Que ficou para além dos encontros;

Podem existir frutos,
sonhos,
no desencontro também?

Pode ser que eu me torne um outro,
Deixe de ser quem era antes do encontro,
Ou da colisão dos caminhos,
Pode ser que eu me torne um pouco mais
Daquela imagem traçada pela trajetória dos olhos,
Alheios;

Talvez a descoberta
Que sempre fui o outro que me parecia distante,
Desconhecido,
Diferente

 dentro da caixa  tem lápis de cor fora da caixa  existem cores  no céu na água do rio  na onda do mar  no arco-íris  no brilho  da íris  de...