quarta-feira, 28 de março de 2018

acho 
que só me acho
na beira do riacho.

deixo o laço,
que já andava meio solto, 
naufragado.

não era laço,
era lenço, 
que virou barco de papel,
que no mergulho fundo, 
perdido entre as dobras do véu,
na boca de narciso
sonhava alcançar o céu.

não era lenço, 
era lençol
amarrotado,
amassado,
do jeito que ficou

o desenho do teu rastro
cutâneo
no embaraço 
do nó 
daquele laço
agora desatado

na travessia 
franca,
aberta, 
dispersiva

na rede
moinho
do movimento
do vestígio 
da tua pele 
nos vendavais.

talvez a gente
possa sobreviver
para viver 
o carinho cinza 
depois dos carnavais.

quem sabe 
no redemoinho dos temporais 
a gente encontre mais,
para além do abrigo seguro 
de uma marquise...

...o laço,

o lenço,

o lençol,

o carinho cinza amante, 
rastro de semente, 
plantado 
no ar denso,
quente,

do tempo abafado
dessa tarde.

sol

entre as dobras do véu,
na memória do lençol, 
nas fendas do laço,
entre as voltas do nó

quarta-feira, 21 de março de 2018

Existe o dia do nada,
dias assim,
não acontece...
...nada além da expectativa.

esperar cansa,
esperar que
de repente
tudo aconteça.

a gente reviras as coisas tudo,
de repente dentro delas
não cabe a gente.

talvez dê
para encontrar um jeito
da gente se ajeitar,
se aprumar,
tomar rumo.

é só o bolso virado
para o lado de fora
da calça amassada;

é só o recipiente
de alguma substância
qualquer
que ficou sem tampa.

é só o movimento insistente
das reticências,
quando se buscava firmeza,
consistência.

é só gente jogada,
revirada,
jogando a vida,

como se faltasse
antecipar a marcação
na entrada da grande,
ou pequena área.

como se restasse,
apenas,
premeditar o breque,
o freio de mão,
naquela palavra
que falou pronunciar
a última sílaba.

de repente
a gente lembrou
que tinha esquecido
do filtro
na enunciação,
ou no que precisava
ser dito,
proferido.

talvez seja
nesse intervalo
entre memória,
consciência
e esquecimento

que a gente procure
um pouco mais
do nada
de nada.

que a gente esqueça,
mas ainda sinta
o imenso prazer,
enorme satisfação,
de não ter um plano
para que a gente aconteça
no meio de tudo
que acontece
nessa vida.

domingo, 18 de março de 2018

Morto,
vivo,
tem corpo.

corpo morto degenera,
corpo vivo entrega
a vida
todo dia
em cada esquina.

corpo muda...floresce,
corpo que busca vida...
...enriquece,
cresce,
descobre a si

no gosto vermelho
da pele.

poros que abrem,
renascem,
na boca desbotada
da vida
de todo dia
em cada esquina.

agora
a boca umedecida
com gosto da vida
que ainda há,
que pode ser

o abraço doce da chuva
depois que o céu desabou,

e a dança camuflada,
soterrada,
no sopro
entre uma veia
e o sangue quente,
vermelho,
rubro,
desperta,
liberta

o assopro doce
da tua alegria
que teus olhos
umedeciam

e quase desvaneciam
na miúda fração do segundo
já vivido,
morto,
já perdido

entre o sonho abrigado do horizonte,
e o instante
em que vi
o levante
das tuas asas...

...em chamas:

- ícaro,
futuro,
tragédia,
sonho,
esperança.

Não,
doce criança,
impetuosa menina,
não degenera,
não regenera,
floresce...

...muda o sentido desse tempo,

muda,

corpo vivo,
renascido,
liberto da violência,
da tortura.

não se entrega
a quem te cala,
a quem te machuca,
te aprisiona,
te promete a cura.

aquece o teu sonho,
mergulha
nessa miúda
sobrevivente
chama de poesia.

chama no asfalto quente
de cada esquina
para que esse dia
não seja igual
a todo dia.

Seja o levante das tuas asas,

cada pluma
cada pena,
única,
transcendente,
para romper,
interromper a gravidade,
a densidade de toda barreira,
fronteira,
que leva
a vida desejante,
amante,
a conhecer a queda

e o olho nu
do abismo.

viva
para viver
o instante
em que vejo,
em que sinto,
a nudez transbordante,

vida liberta
da tragédia.

fogo que alimenta a liberdade
e não te devora as asas,
a vida,
própria,
do teu levante,
da tua viagem.

quinta-feira, 1 de março de 2018

Já,
a tristeza plantada,

lágrima,

onde andará o pranto
que a noite buscava beijar?

onde andará a alma
que busca ser,
escorrer,
pelo branco e o preto,
dos olhos?

será que ainda distraída
entre teus dedos,
nos caminhos do teu medo?

talvez perdida na margem do erro,
ou do acerto não calculado,
na tua pele trêmula,
na gravidade da tua voz.

a pele é o timbre da alma,
a pele é a sujeira espalhada pela casa,
a pele é o excesso do amor não vivido,
a pele é a cartografia rascunhada
num mapa com cara de janela;

a pele que me entrega a alma
para o teu coração,
que aponta os limites da solidão,
que indica vestígio,
rastro,
o desconhecido
que mora dentro
da futura paixão.

a pele agora rascunha uma lágrima,
quer despejar a tristeza
para a língua noturna,

na boca da escuridão.

o pranto e a solidão,
tudo junto,
toda a dor,
correndo,
sendo,
para fora do peito.

para dentro
o teu desejo.

 dentro da caixa  tem lápis de cor fora da caixa  existem cores  no céu na água do rio  na onda do mar  no arco-íris  no brilho  da íris  de...