sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Será que é preciso
colocar
um ponto final
no silêncio obtuso?

Cacos espalhados
na entrada,
logo abaixo
da placa
que acende vermelha:
- saída.

A porta ainda continua aberta.

Não sei como chamar
aquele último beijo.

Não sei mais
como te chamar.

Desejo parece não ser
derradeiro,
desejo.

Tem cara de destino.

Como não...

Teu rosto prenuncia
agora. Na memória.

Não tente me explicar
o rumo tomado,
decidido,
nessa história.

Moro
do outro lado
da hora,
que o ponteiro
não alcança.

Demora,
sempre sempre,
sempre demora.

Qual é o nome
que habita o infinto
entre segundos,
entre esse milésimo
e o próximo?

Esplendor não dura,
brilha,
fuxica,
revira,
faisca.

Atmosfera silenciosa se parte,
neblina.

Abre-se murmurante,
instante.
Ruído fascina
cada camada,
pétala por pétala.

Sua pele
se arranha,
se atrasa,
se arrasa,
se demora,
se arrasta,
se roga,
se goza,
se afasta,
se lambe,
se deita,
se espreme,
se esparrama,
se boca,
se dente,
se lambuza,
se derrama,
se boca,
se dente,
se beija,
se chupa,
silencia,
se delicia,
na minha.

Teu gemido amplificado na boca da orelha,
na boca, na orelha,
teu gemido amplo,
ter sido tão,
teu gemido,
teu.
Tua natureza me ronda,
tua natureza me assombra,
tua natureza me abre,
tua natureza entrega,
tua natureza ruminante devora.

Tem cara de destino,
desejo parece não ser
derradeiro,
desejo.

Declino
para quando
eu não sei mais
como me chamar.

Eu já não sei mais
como me chamar.

Eu,
teu,
não sei mais
como me chamar.

Eu não sei mais
como me chamar.

este sem lugar,
infinito ar,
infinitosares

nada é
o contrário
de tudo.

nada
como um dia
depois do outro dia.

nada
como o amor
que não foi dado.

nada,
que pode ser
a vida em germe,
um recipiente,
uma semente.

nada,
tudo isso
que existe dentro,
no interior do circulo
que forma a forma
do número zero.

nada,
tudo aquilo
que não foi descoberto,
que se encontra disperso
nos muitos lados
do lado de fora.

quando o toque
não termina
na superfície,
nada é um verbo.

uma ordem,
um indicativo,
um imperativo.

dito,
assim,
de maneira suave,
uma sugestão.

pode ser um
convite,
uma provocação.

a viagem
pode ser breve,
não precisa ser rala,
ou verdade tangente.

pode ser um mergulho,
uma vida salva
do risco do naufrágio.

pode ser uma prospecção
pelas rotas,
que antes levavam a nada,

agora conduzem
ao que pode ser...
...não tudo,
ou resumo sucinto,

mas alguma coisa
quando se sabe
que menos
pode ser mais.
Nas encostas, 
sarjetas, 
soleiras, 

veias vermelhas,
que moram fundo
nos globos oculares, 

ainda há 
um murmúrio 
mais denso 
que o silêncio. 

Um sussurro 
que range, 
rumina, 
mastiga, 
fibras 
e articulações. 

Um som miúdo 
nos lados 
minúsculos, 
desouvidos, 
do coração 
e das paixões. 

Em uma frequência, 
em uma vibração 
que é dentro, 
que é antes
do momento 

que a voz ecoa, 
que o acorde se forma, 
que se conjuga
a dissonância. 

Murmura a pétala esquecida, 
a estrela pintada
no papel amassado, 
a história das folhas,
das árvores, 
do vento, 

da criança 
que brinca 
dentro 
e que brilha 
no olho pescado

da fossa, 
do fosso, 
da poça, 
do poço,

em que 
germina a força
de uma tempestade,
de uma correnteza.

Tá certo, 
o relógio tá errado, 
muito antes 
de chegar atrasado, 
foi um noite mal esquecida. 

Aquele sonho, 
que me anda 
debruçado,
reclama a traição 
do olho aberto, 
antes 
que a pálpebra 
quase aquecida. 

Quem sabe 
quando brotar 
o meio-dia
lembro de mim 
e me esqueço 
do ponto. 

Me retiro da batida, 
guardo a digital, 
estendo a pele
mais amanhecida 
para o toque, 
retoque, 
mais quente, 
que irradia

dia, 
noite, 
diamante, 
sol, 
lençol, 
outro dia,
mais um dia.
nem é
tudo isso
que eu
vou falar,

mas é
mais,
ou
menos,
isso

que eu
vou falar
quando
chegar
aquele dia,

se é
que um dia
aquele dia
chegará. 
Nu.
Sonho.
Deserto.
Real.

Desperto,
voa longe.

Deserto,
vou aonde
ainda é
deserto nu.
Saber que você esteve aqui
ainda é o melhor caminho
para que eu queira saber
por onde andei.

Em que lugar
coube a minha presença
quando este móvel
mudou de lugar.

Eu sei onde ele estava,
eu sei onde você estava;

porque ficou essa marca,
esse miúdo contorno de poeira.

porque ficou esse jeito mágico
de deixar rastro.

Cada migalha de alegria,
cada vez que irritava
um gesto egoísta,
ou uma mania.

Cada vez que eu podia
sentir a densidade do ar
no teu jeito
de curtir o silêncio,
cozinhar o silêncio,
tecer que ele estivesse

em todos os cantos da casa,
de baixo do tapete,
no intervalo exato
entre o móvel e a parede.

Por que romper o silêncio
quando você não está?

Quando me recolho para dentro
desse lençol,
dessa coberta,
me encoberto de sonho

porque não quero estar
em todos os lugares
em que você não está.

Quando tudo
de novo é,
como antes
talvez não existisse,

um canto reduzido
bem no vermelho
da superfície desse lado,
aquele mesmo da mordida,
do teu lábio
que conhece o gosto
do jeito que gosto.

Do jeito que mora
do lado de dentro
da tua saliva
a palavra,

que antes não sabia,
desconhecia dela
a potência de poesia.
intento, 
não identifico, 
apenas fico, 
em cima do traço. 

alguém me diz
que se chama 
percalço 
quando o caminho estendido
depois do passo dado. 

já não foi o primeiro, 
já sabe o que é ser 
no encalço, 
já conhece o que é ser 
a caça. 

se atira 
pelas vias, 
atua, 
já não mira. 

guarda-se 
diante da possibilidade 
do compasso persuasivo. 

mais do que ser caminho, 
pretende ser alternativa 
quando a cadência 
abandona a estrela 
que se derramava 
na caída do céu 
como forma de esperança. 

pergunta-se 
porque o sol 
se põe tão cedo. 

ai, que medo, 
das garras noturnas 
que nos alcança 
quando somos escuros 
mais do que a própria 
escuridão. 

a travessa soturna 
termina no beco, 
de mãos dadas 
enlaçamos a solidão. 

nem sequer 
um buraco 
na escuridão 
do céu. 

a quem visitava 
a lua 
que espiava 
nossa carne nua, 
quando não se temia 
a luz crua, 
a janela não se fechava.
foi quando viajei 
até você 
que percebi 
que precisava 
daquele tempo 
pra mim. 

o sol que cai 
e a brisa leve 
ao fim da tarde, 
e um pouco mais 
dessa bebida amarga 
antes que a noite 
venha me visitar. 

eu posso abraçar o frio 
enquanto caminho 
a procura 
de uma cama, 
um lençol, 
uma coberta 
e uma bebida 
que me aqueça. 

você está 
tão longe 
da onde 
a minha mão 
pode alcançar. 

teus olhos ainda brilham 
quando fecho os meus. 

descanso as pálpebras, 
a pupila 
e a retina. 

e não preciso de tanto 
para recomeçar 
a sonhar. 

eu sei que você 
não vai voltar, 
não serão teus pés, 
ou tuas mãos, 
no desembarque 
na próxima estação. 

mas quando escrevo 
o teu nome, 
as palavras 
que me dizia, 
o jeito 
que me olhava, 

parece 
que ainda posso sentir
a fumaça do teu cigarro, 
o carinho do teu abraço 
e o prazer 
de estar ao seu lado. 

me recordo 
quando aquela porta 
foi fechada, 
ainda via 
teu rosto pela janela, 
o barulho do motor 
e da partida, 
e uma parte de mim 
ainda vai, 
ainda está, 
ainda anda 
com você. 

e isso é
o que eu chamo 
de passar 
um tempo comigo 
e de viver
a minha solidão.




enquanto ela não vem, 
escrevo poemas, 
enquanto sonhos não se realizam, 
escrevo poemas. 

enquanto peço 
ao meu coração 
que fique tranquilo 
e não tema o frio, 
escrevo poemas. 

procuro uma dobradura no tempo, 
uma dimensão que reduza a pressa, 
outra que amplie, 
amplifique, 
o instante em que 
a poesia vem. 

busco estender a curva 
nos últimos minutos 
que antecedem 
a próxima hora
pra que dure mais 
esse tempo 
quando parece 
que o tempo 
não passa, 
ou não tem pressa, 
nem pede para acelerar. 

quando abro a janela 
a escuridão 
já envolveu o céu,
me lembro da garota que falava 
das estrelas 
que brilham no céu 
enquanto fumava 
e bebia vinho 
e o calor 
da fogueira 
que acendíamos 
reluzia no seu rosto, 

em suas pálpebras 
quase fechadas, 
no pequeno vermelho 
que se abria 
em seus olhos. 

naquelas noites, 
ela estava bem perto, 
sentada a um palmo, 
a um segundo, 
ou a um passo, 
de distância. 

sua mão 
podia se estender, 
seus dedos 
podiam se abrir, 
a minha também, 
meus dedos também. 

aquele pequeno vão
entre mim e ela, 
entre a minha pele 
e a dela, 
se abria pelas horas noturnas, 
ou para quando não sabíamos 
se era manhã, 
alvorecer, 
crepúsculo, 
ou madrugada. 

pareciam muitos miúdos fragmentos de tempo infinitos, 
cada um deles habitado 
pela vibração 
que emanava 
do toque, 
que deixava rubro a carne do dedão, 
nas cordas do violão. 

evocava 
a voz que não tinha, 
a nota, 
que não saberia 
a pronuncia, 
para a insurgência 
dos versos 
que transitavam a latência 
de alguma possibilidade 
de semente. 

agora busco, 
procuro, 
quem sabe, 
ou poderá saber, 
que ao final 
desta página, 
que naquele canto lateral, 
logo ali, 
bem abaixo, 
no ponto que termina 
ao pé 
da nota 
de rodapé, 
existe um verso. 

basta virar o lado 
da folha branca 
com letras batidas, 
pretas e pequenas, 
para conhecer 
o outro lado 
que convida um verso, 

enquanto espero, 
enquanto sonho, 
enquanto não chega o sono, 
enquanto pareço vivo, 

enquanto minhas mãos 
quando tocam o meu peito 
parecem sentir alguma coisa 
que chamo de coração, 
mas não sei 
se é meu, 
se é da garota 
que mora 
nas minhas lembranças, 

se pertence aos ruídos 
que emanam dos carros 
que passam pelas ruas 
e atravessam esquinas, 

se é de alguém, 
se é de ninguém, 
se é que existe, 

se adormeço 
confiante 
que ele esteja vivo, 
que continue a bater 
palavra 
por palavra, 
poemas 
que sonho escrever.

 dentro da caixa  tem lápis de cor fora da caixa  existem cores  no céu na água do rio  na onda do mar  no arco-íris  no brilho  da íris  de...