terça-feira, 16 de novembro de 2021

 dentro da caixa 

tem lápis de cor

fora da caixa 

existem cores 


no céu

na água do rio 

na onda do mar 

no arco-íris 

no brilho 

da íris 


dentro do coração 

existem cores 

que não sei dizer 

o nome 


preto é uma cor 

cinza é uma cor 


há muitas cores 

de pele 


veste uma cor 

que anuncia 

a tua alegria 


despe um pouco 

do rancor 

que habita 

a tua alma 


pinta uma cor 

cor e ação 

coloração 

cores 


muitas 

tantas 

infinitas 


manchas

borrados 

respingos 


desfile uma cor 

dance um acorde 

navegue entre cores 

banhar-se de cores


 aquele inexato momento

que já nem lembro 

sinto.


algum passado 

fosse parecido 

com essa 

paz noturna 

que agora sinto. 


era quase memória

uma cena 

pela metade. 

Cinzas. 


agora antes 

da próxima chama 

esse instante 

parece tão único.


sinto a escuridão 

que me assopra, 

me suspira 

na cozinha, 

na luz acesa 

esquecida. 


lá fora

o que não chamo de dentro, 

mas sinto 

como se me revirasse 

pelo avesso. 


pelos, olhos. 

Alucino. 

boca, mão. 

Elucida. 


lá fora, 

dentro da escuridão, 

existem luzes. 


brancas, 

amarelas. 

Cor de diamante. 


toda noite sinto 

uma luz 

se apaga, 


uma lembrança acende, 

um sonho acende. 


queima 

na boca, 

no céu da língua.


queima

uma memória, 

uma fotografia. 


um trago rasga a garganta. 


era chama, 

agora cinzas, 

brasa prossegue, sonha. 

Desperta luz. 


acorda sem temer a escuridão. 


são amigos 

os cânticos 

e rumores 

do silêncio. 


são convites 

cada pensamento 

perdido 

que brota 

sem aviso 

na manhã corrida, 

ou na tarde cansada. 


uma tormenta a noite

quando o sono 

não vem. 


essa noite 

ela não virá,

essa noite 

não será.


essa noite

não me precede, 

não me remete, 

não me corresponde. 


sinto

que já não avança 

hora, 

apenas

cada curva da escuridão

que me alcança. 


cada estrela escondida 

me cadencia o silêncio. 

Me lança. 


sou a paz,

a chama, 

a tormenta, 

a calmaria, 

um punhado de cinzas. 


um sentimento 

que pulsa 

perdido e único

em cada volta 

que o mundo dá

cada vez 

que a gente passa 

e o tempo continua 

sem poder esperar

que a gente seja, 

esteja,

na próxima hora, 

em cada minuto.

Precisa acontecer. 


o tempo

que não se marca, 

que não se espera, 

é o fragmento 

da tua vida, 

lábil existência, 

que eu te peço.


 olhos, 

que não lacrimejam. 


lágrimas,

aonde estão?


onde está a voz 

da minha dor?


pálpebras 

pesam tanto 

tanta solidão.


íris 

sente medo 

de abrir e fechar. 


pupila 

já não sabe 

se é miragem, 

ou se é real, 

o toque da luz. 


agora é deserto, 

ou ainda 

não tem fim 

essa viagem?


janelas de ferro 

e enferrujadas,

cadê a alma?


depois das fronteiras, 

torres e lama, 

chuva e granito.

 

trincheiras 

e arame farpado 

no coração. 


não são meus olhos que você vê

ouro ferro cobre carvão e petróleo


não são meus olhos que você vê

taxas juros lucros e capital 


não são meus olhos que você vê


braços armados 

palavras vazias 


não são meus olhos que você vê. 


são estrelas 

que já perderam 

o brilho

e a cadência 

de tanto testemunharem 

o breu 

da nossa escuridão. 


vagalumes acorrentados 

à imensidão luminosa. Grandeza, 

que não respeita 

a potência 

da pequena chama. 


você não sente, 

mas esse é o cheiro 

do sofrimento 

que não encontrou 

o abraço do sangue. 


você não sente, 

mas esse é o cheiro

 

das feridas, 

que não foram abertas;


das memórias, 

que não foram tecidas;


das histórias, 

que não foram contadas. 


e o silêncio solicita urgência. 


devolva

minhas cicatrizes 

e a beleza 

de cada sonho 

perdido 

e não realizado. 


pequenas chamas erguem, 

se levantam, 

se esparramam 

pelo chão da cozinha 

e pelo black out

do cinza 

e branco

da cortina. 


entre as rachaduras do teto 

cicatrizes sobreviventes 

anunciam a existência 

de vida 

e de força 

para além 

das paredes, 

dos muros erguidos, 

das telhas e tetos, 

ao nosso redor 

e sobre as nossas cabeças. 


não deixe o amor morrer 

dentro do seu coração. 


olhos, 

que não lacrimejam, 

não deixem 

o amor. 


lágrimas perdidas

não deixem o amor 

se fechar 

dentro do coração. 


olhos já 

não sejam 

testemunhas. 


procurem, 

desertem da guerra,

abracem os amigos,

se libertem das trincheiras 

e dos arames farpados. 


depois daquela fronteira, 

ao redor da ilha, 

embaixo da ilha,

dentro da ilha, 

existe oceano. 


para além 

de países 

e continentes, 

existe oceano:


- perspectiva, 

força, 

imensidão 

e profundidade


 entre paixões agudas

e graves indiferenças

 

medos valvulados

ansiedades amplificadas

 

entre médios

e medianos

 

outra sintonia

 escrevi tanto 

a palavra vida

e tão poucas vezes

a palavra morte. 


agora 

me pergunto 

se foi por medo. 


quando somos 

novos e jovens

e a gente se sente

novos e jovens 


a morte é um instante 

longe, 

distante.


quando alguém morre

lentamente 

no mesmo tempo 

em que o cabelo cresce 

e um fio de cabelo fica


na escova de cabelo, 

na pia do banheiro, 

na fronha do travesseiro, 


a gente 

pode dizer 

que a gente

já esperava. 


e assim a dor 

parece menor, 

parece que dói menos. 


quando é de repente, 

de supetão, 


pode até parecer 

mentira, 


ou não dá 

para acreditar 

que a palavra morte 

encontrou a morte 

naquela pessoa

em toda sua realidade. 


falar 

não é igual a escrever. 


ver 

não é igual a imaginar. 


viver 

não é igual a pensar. 


lembrar 

não é o mesmo 

que sonhar. 


lentamente, 

ou de forma repentina, 

cada morte é única, 

cada gente sente diferente. 


um beijo na testa, 

uma mão sobre a outra. 


não querer ver 

para ver 

se a realidade muda.


se fica diferente 

se a gente 

não acreditar 

nessa 

que se apresenta

agora. 


de preto, 

de chinelos, 

descalço, 

de gel,

ou despenteado. 


em silêncio, 

de olhos fechados, 

com os olhos abertos 

e a alma ferida 

e escancarada: 


- o luto 

existe para quem?

para quê?


é proibido o riso?


é preciso 

tomar cuidado

com o excesso 

de lágrimas?


o pulso 

está mais 

acelerado?


e o coração?

será que sai do lugar?


as chaves ficaram onde?


do lado de dentro?

do lado de fora?


e ele que morreu

vai se lembrar

da última dança, 

ou da última briga?


o luto é pra gente, 

pra gente sentir 

esse breve nocaute, 


deixemos a morte 

e a pessoa morta

em paz. 


talvez a gente se lembre 

de quando a gente 

e ele 

ainda compartilhávamos vida. 


talvez tenha sido 

até antes que a morte 

o tenha encontrado.


ou talvez

nem tenha acontecido. 


esse poema

é pra falar da morte,

ou da vida?


não é só a vida, 

a morte 

também deixa 

a sua semente.


o luto é pra gente,

que ainda vive, 

deixemos a morte

e a pessoa morta 

em paz.


 passageiro futurista,

passa rápido,

veloz,

passa rápido.

 

foi-se o amigo,

ficou

o tesouro escondido

que precisávamos

desejar procurar.

 

foi um passo perdido

por aquela rua

em uma tarde

de domingo.

 

ainda sinto

o cheiro

daquele dia

 

como folhas verdes

se movimentarem

ao sopro do vento

no ritmo tardio

de mais um dia.

 

e lentamente,

nostalgicamente,

melancolicamente,

inevitavelmente

 

a escuridão renasce

e anuncia

que mais uma vez

a noite vai chegar.

 

e sobre a noite

e suas criaturas

nós sabemos

que há memória

e que tudo

foi um sonho.

 

ainda sinto e sonho

o gosto

da tua asa ferida.

 

ainda resta

a pétala amassada

de alguma flor,

que desbotada

floresce

doces espinhos.

 

doces velhas cores

na palma

da minha mão.

 

abro os dedos

para estender

um pouco

de carinho

e muito mais

de força.

 

um tanto mais

de alma.

 

mais da pessoa

que existe dentro

de cada história.

 eu gosto de rio 

e às vezes rio 

e às vezes 

ser rio 

é adentrar camadas

e desvelar atmosferas. 


e às vezes 

o riso incomoda. 


outras

é apenas uma gota 

de um oceano 

de alegria, 


ou a brevidade 

de uma ironia. 


eu gosto de rio 

e conheço quem 

já quis ser lagoa. 


às vezes rio. 


às vezes sou maré. 


às vezes encontro 

meu coração 

na crista 

da onda do mar. 


deixo uma lembrança 

no varal 

pra secar. 


volto a ser criança. 


não quero ouro, 

tesouro 

no fundo do mar. 


quero o fundo 

do fundo 

do fundo 

do fundo. 


ainda mais fundo. 


não quero 

o centro do mundo. 


quero 

navegar, navegar, navegar;

mergulhar, mergulhar, mergulhar. 


conhecer 

o outro lado, 

a beira da outra margem, 

a próxima viagem, 

uma nova história, 

uma rima inusitada.


a possível beleza 

que reside dentro 

de cada segundo.


o que ainda 

não é memória. 


ora, 

esse mar

não tá

pra peixe. 


esse feixe de luz 

é miragem. 


será?


por enquanto 

não sei dizer,


e enquanto isso rio.


me ensina o rio, 

invento um rio. 


rio de coisas,

rios caudalosos, 

rios de labareda, 

rios incandescidos. 


rio machucado, 

rio ferido, 

rio encontra mar. 


liberte o rio, 

liberte-se.


 por que estou 

fazendo isso 

comigo 

novamente?


por que

mais uma vez 

estou me ferindo?


e nessa hora

da noite

muitas horas antes 

do sol 

anunciar sua chegada 

cada batida

do meu coração

dói. 


eu não posso

contar

quantas vezes 

o meu sangue 

é impulsionado

para que

meus braços 

e minhas pernas 

tenham força

para me levar 

adiante. 


às vezes 

não posso 

contar comigo. 


não perco a conta 

de cada dia

que passa

como se fosse 

o mesmo dia. 


não perco a conta...


...esperando quanto tempo mais 

até que alguma mudança 

me alcance. 

 

até que eu 

possa partir

em uma nova

viagem. 


até que alguém 

entenda a mensagem. 


até que alguém

me diga 

que também sente

aquilo

que a vista 

não alcança. 


o que está 

desfocado

ou então 

em segundo plano. 


acho 

que já perdi

o ângulo 

desse plano 

e do próximo 

enquadramento. 


acho 

que as dimensões

daquela moldura

e daquela ideia

já me abandonaram. 


e não sei 

o que fazer

comigo. 


novamente 

meus olhos 

estão abertos

mas não estou acordado. 


outra vez

eu acreditei 

que o amor 

poderia me alcançar 

o que se perde 

à vista. 


e mais uma vez 

o amor

não foi um ato

um gesto 

ou uma coragem. 


não é alma

agora sei

é miragem. 


amar 

me fere

me machuca

porque tudo 

parece

tão pequeno 

diante do amor

que sinto. 


não há sorriso

saudade

musa

que sobreviva 

à densidade 

desse amor 

que sinto.  


eu não sei 

se é amor

se esse é o nome 

do que me lança

na tempestade

da força da vida 

e anuncia 

que é a morte

que se aproxima. 


então volto a contar 

cada hora 

cais 

longe do começo.

 

cada hora

do fim do mundo.


e é sempre 

sem fim

sempre assim. 


aniversários

natal 

ano novo 

velório 

e nascimento. 


não tem fim.


não é o mesmo

que sentir 

até o infinito.  


vai para a soma

para o fundo do pote

para dentro da gaveta

cada dia

em que pareço saber

que ainda estou vivo. 


sei que a morte

virá cobrar 

essa conta. 


continuo a sentir

cada taxa

cada juro

até que

meu rosto

ou aquele rosto 

seja só memória 

seja só.


até que a memória 

já não exista. 


se perca

toda e qualquer 

fisionomia. 


e essa imagem 

seja 

uma vaga

abstração. 


essa alma 

perambule 

se perca 

no meio 

de tantas outras 

que vagam 

pela noite

a cada segundo 

em toda hora 

e muitas horas antes 

que o sol 

anuncie 

e resplandeça 

sua chegada.


 quando fui 

até o abismo

e voltei. 


quando descobri

você. 


quando não saber

como sentir. 


quando a memória

perde o sentido 

de ser história. 


para quem

vou contar

a beleza 

que sonhei conhecer 

um dia?


à espera 

de quem 

vou contar 

cada segundo 

cada passo dado 

até colocar 

a chave na porta?


qual esperança 

alimentar 

quando se descobre 

que já se tem 

idade pra morrer?


a morte 

não tem 

momento certo 

ou errado 

para acontecer. 


se existe vida 

depois dela 

eu não sei.


sei que a vida antes

da morte acontecer

merece 

todo nosso cuidado,

carinho, 

afeto 

e atenção. 


merece

cada momento 

da gente 

por inteiro. 


uma semente germinada 

no lugar 

de cada parte, 

ou pedaço

esquecido

em um porto, 

em uma esquina, 

em algum instante

da viagem. 


um ouvido aberto 

para o som 

que a pele faz 

no meio 

do silêncio 

e dentro 

da escuridão. 


e esse som 

que vem 

de dentro 

é tudo 

que não sei,


ou já

nem lembro o nome 

e que me envolve 

e que me leva 

e me coloca de pé,


mesmo quando 

o dia mais quente 

e claro 

parece começar 

tão sombrio. 


abro as cortinas

e a janela da cozinha

e deixo que o cheiro 

e o sabor 

preto e amargo 

do café

me desperte 

e me alcance. 


isso é tudo 

que posso fazer 

pela manhã

 

enquanto a escuridão 

se dissipa

 

e busco recordar 

que cada dia 

necessita

ser vivido. 


nem um dia 

a menos 

todos os dias

a mais.


 dentro da caixa  tem lápis de cor fora da caixa  existem cores  no céu na água do rio  na onda do mar  no arco-íris  no brilho  da íris  de...