domingo, 31 de março de 2019

Eles, que nos perseguem com seus olhos furiosos, que acreditam que seremos dobrados e convertidos em acentos, acenos, para seus discursos tenebrosos, temerosos. 
Eles, que nos trarão cruzes, crucifixos, deuses desesperados, aflitos, e verdades inexoráveis para justificar a abundância de suas riquezas incontíveis, incontáveis.
Eles, cujas biografias, como aquele velho cineasta francês, já dizia, circulam pelo mundo como lendas, ou ficções científicas, porque algumas verdades absurdas precisam circular pelo mundo como temas de um romance realista. Portanto, surrealista. 
Eles, que retocam o vermelho da boca com a tintura de nossas cores; que criam curas para suas dores com as palavras que emergem diretas de nossos corações; com a tensão e a harmonia dos acordes de nossas canções.
Eles, que sorriem com todos os dentes, sanguinários e afiados, para a cadência do nosso samba; para o drama e a comédia da nossa vida cotidiana. E miram a ferida que parecia já tratada, curada, cautelosamente traumatizada. Agora exposta como os versos, a poesia, que não puderam permanecer no interior de algumas gavetas depois que o brilho da lua cheia atravessou a transparência das nossas janelas para se ver derramada na brancura manchadas dos lençóis amassados que encobrem - revestem - camas e colchões. 
Eles querem a ardência da nossa existência insistente que percorre, corre, circula pela noite emergente. Querem a nossa poesia, nossa música, nossa batida, nosso suspiro e nosso silêncio. A força de cada braço, a firmeza de cada pé. O futuro projetado, nossa fé. Nossa esperança. O sorriso, o grito e a lágrima - espontâneas - de nossas crianças. 
Querem o ímpeto do nosso desejo, o brilho do nosso olhar em nossa admiração pelo desenlace da paisagem no decorrer da viagem. 
Querem a nossa inteligência, nossa sabedoria. Cada uma delas filtrada para ser servida entre o pão e o mel na mesa do café da manhã. Liquidificada com gelo e açúcar para animar a muscultaura. Destilada para encorajar o exercício dos pulmões. A inspiração, a transpiração. 
Querem o fogo de nossa paixão sem cura, a ternura da nosa pele, beleza de nossas memórias, o ritmo de nossas histórias, para afinarem a gravidade de suas vozes. 
Querem a nossa vitalidade, nossa essência, estripadas, para serem expostas em seus programas bregas - televisivos - de auditórios, públicos, domésticos, adestrados, bem educados. 
Querem a nossa pele ressecada, sem a força do músculo, ou a tensão do enervamento, para proteger seus corpos quando é certeira a frieza que se se alastra, se aproxima. 
Querem nossos cheiros, odores, aromas e sabores para temperarem carnes alheias, vegetais plantados e colhidos por mãos alheias. Querem o nosso suor para o pronunciamento do estrume adquirir veracidade na atmosfera rarefeita de algum perfume. 
E depois que a gente já não seja a gente. Depois de triturados, moídos, ressecados, extraídos, estripados, pretendem um lixo que se não se pareça, que não tenha cara e o cheiro de um lixo, para as nossas carcaças, restos e sobras. 

quarta-feira, 27 de março de 2019

Adormeço na hora incerta, 
deixo cair 
no espaço 
entre uma mão e outra 
a imagem do teu sorriso. 

É um rosto, 
não é uma fotografia, 
é um instante 
em que sonho, 
não é o segundo 
plantado 
no meio, 
em cheio, 

do dia 
em que tua mão 
agarrava
o espaço em vão 
em que minha mão 
te alcançaria.

Não é um espaço, 
é uma hora a menos, 
uma hora a mais, 
uma hora tardia. 

Já não posso 
com esse compasso 
da vida 
em estado de espera. 

Não sei se 
avanço o sinal 
ou aguardo 
a velocidade do passo 
que me atropela. 

Fiquei a um passo 
para trás 
quando você bateu asas 
e agarrou 
aquela nuvem 
que se parecia 
com a face 
engrandecida 
quando um sorriso 
emergia. 

Acho que já não é 
o som da tua voz 
que escuto 
quando sinto a onda 
que vibra 
entre a aurora 
e a tarde que cai.

Palavras trincadas 
entre dentes brancos 
em sorrisos congelados 
eram quase ânima, 
quase um estado 
de alegria. 

Tuas palavras, 
cada sílaba declinada. 

Hálito pálido. 
Branco ao redor. 
Vermelho da boca. 
Marcas cutâneas 
da tua excreção, 

dançam com você, 
mergulham com você, 
brincam com você, 
choram com você 

quando teu corpo 
atravessa a superfície
daquele lago. 

Teus dedos ainda resistem 
a tocarem fundo, 
a tocarem o fundo. 

Estou a uma braçada
atrasado, 
estou a uma pedalada 
antes
que o sinal 
esteja fechado. 

Você lembra?

Teus pés bailavam 
quase engraçados 
como elefantes 
em um pista de gelo...
...no teto, 
na beira do arranha-céu. 

Dar o salto, 
bater asas, 
ou saltar 
e deixar 
a superfície da água 
tocar as bordas ao redor 
enquanto o corpo atravessa 
a densidade aquática. 

Já não era teu rosto, 
nem reflexo, 
ou mero sorriso, 
quando despidos 
de trajetórias pretéritas, 
de futuros 
que não eram nossos, 
deixávamos nossos corpos, 
nossas peles, 
entregues 
à profundidade do lago 
que devorava 
nossa eternidade 
e nos assoprava 
breves, 
lábeis, 
efêmeros, 
no horizonte que morria 
quando o próxima dia 
resplandecia claridade.

E o tempo avançava. 

Nenhuma hora a menos, 
nenhuma hora a mais, 
de passagem, 
ou atrasada.

quinta-feira, 21 de março de 2019

Noite adentro, 
quase em transe, 
quase dentro. 

Não é quando tento, 
é quando pareço desatento, 

Desapareço entre murmúrios, 
sussurros 
e pensamentos 
quentes e rodopiantes. 

Naufragante.
Um vilarejo. 
Um deserto.

Uma estrela balbucia, declina, 
Errante, 
Na boca da orelha. 

Quase dentro, 
quase tanto,
tão perto,
quanto posso estar,
quanto posso escutar 
o som do coração.
Cada pessoa uma viagem, 
cada alegria ressoa 
uma miragem. 

Mirada, 
pela lateral flutuante.
 
Mirante:
- olho que espia, 
anuncia, 
a lua viajante 
e acende 
nas artérias do dia
a esperança de encontrar 
o carinho da noite. 

Não sei se sonho, 
se acordo para viver
o mundo que sonho, 
se encontro
quem me sonha. 

Se me acerto,
ou me desacerto,
quando me desarrumo 
e redescubro 
o brilho 
que brotava 
do outro lado 
do olho. 

Reviro 
a dobra 
que me abre 
a borda 
da mensagem
à beira
da estrada, 
da entrada. 

Ou quem poderá saber,
de saída 
do lado de dentro 
para o outro lado 
da vida 
sem anunciar 
a partida. 

Vá, 
parte, 
me reparte, 
compartilha 
sinais de vida. 

Pela janela, 
por essa janela, 
abraço oceano, 
atravesso o mundo. 

Recolha,
acaricia, 
o calor 
dos meus passos
no azul infinito 
que habita, 
brilha, 
no teu sorriso.  

Ilumina a travessia
de quem não teme
sonhar acordado 
pelas veredas balsâmicas, 
enluaradas. Constelações de odores inebriantes
que acolhem o peito céu aberto, 
que despertam asas,
desvelam chama e brilho 
em cada migalha desperta
na brisa matutina 
que assopra alma. A convida para embarcar 
na pessoa próxima, 
próxima viagem, 
prospectiva margem.
Ando tão cansado
de ser eu mesmo. 

Quero abandonar
em uma esquina, 
em uma viela, 
o peso do passado 
que me aliena 
de sentir a força 
de quem sou. 

Quero entalhar, 
esculpir, 
em substância cutânea, 
a memória 
e a genética 
da essência 
dessa potência 
que ainda vive, 

mesmo tanto caminho 
vivido
como labirinto. 

Essa telha trincada,
esse vidro partido, 
não é barca furada, 
é alternativa, 
é a saída 
no beco sem saída. 

É uma vereda aberta 
bem no meio 
do coração 
dessa trincheira 
que me enlaça
os vultos meus. Fantasmas do meu próprio coração. 

Sobre o chão, 
as máscaras caídas. 

O olhar agora 
já pode tocar, 

brotar
o infinito 
que mora dentro:

- despido dos olhos pintados
e dos vestígios 
que atraíam para o abismo. 

É o mergulho 
que convida 
para o fundo 
e o meio 
dessa história. 

Agora 
que se elucida 
para a nossa
trajetória

que o começo, 
a meia volta, 
o término 
e o convite da alma
se encontram 
nessa vontade, 
desejo, 
de seguir, 
prosseguir, 
ir,
fluir 

o ímpeto maior 
do carinho, 
a intensidade
da carícia.

Ciclones. 

E tudo que não se pode conter.
Tudo que não basta em si,

que clama 
pela ultrapassagem 
da inércia 
nos movimentos 
dessa viagem. 

Dança 
entre a necessidade
e a liberdade. 

É o futuro 
que nos abraça
nossa atmosfera onírica. 
Eu não sei o que fazer
com o azul do céu,
ou com o verde
que se estende
pela alameda,
 
ou com o sol
que brilha
e toca
o meu coração.
 
Eu não sei o que escrever,
qual a palavra
que se abre
para a luz amarela
que me acompanha
em cada passo
que traço
nesse caminho.
 
Eu não sei o que dizer,
ou qual é o ritmo
para o movimento das sombras,
contornadas
pela luz amarela,
que abrigam
a minha pele
pela travessia quente
e entardecida.
 
Eu ainda sinto
o carinho daquele vento
que assoprou cabelos,
pelos,
devaneios.
 
Cada hora dourada,
declinada,
derramada,
brilhante de sonho,
naquela noite
em que meu olho
despertava
como a lua se abria
na escuridão do céu.
 
Eram estrelas
pessoas
que brilhavam
quando a noite era neblina,
sombra e neblina.
 
Quando havia esperança
em encontrar
o outro lado
da cidade
quando o sol brilhasse
no coração
que atravessou a noite.
 
Era o céu
que eu podia sentir,
que podia me ver,
que eu podia tocar,
quando um sorriso doce
se abria em você.
 
Quando seus braços
me envolviam
naquele tenro carinho
que aquecia,
brilhava,
meu coração
para que eu pudesse
atravessar a hora
mais escura
e abraçar
a manhã
que florescia
o amanhã.
Hoje, 
agora, 
pelo menos nesse dia, 
nessa hora curta e breve, 
me deixa acreditar 
que existe uma chama de amor 
no meu coração, 
no teu coração.

Que o amor reacende a esperança
há tanto tempo adormecida.

A mesma, 
que brilha quente
mesmo na hora mais incerta.

Que o amor é esse fogo 
que nos envolve, 
nos alimenta 
e nos leva para a frente, 
para que a gente 
possa conquistar, 
outra vez, 
o destino sonhado, 
o destino construído, 
o destino amado.

Que o amor é oceano, 
universo das águas, 
que nos abraça, 
que nos acaricia, 
que pede braços 
e abraços 
abertos.

Que abre a sua boca 
de vulcão 
para beijar 
cada vértice, 
cada ponta, 
cada cor, 
do coração
por inteiro.

Que o amor é brisa, 
assopro, 
canto sutil, 
de passagem pelos lábios, 
pela face branca, 
castanha e rosada, 
beijada 
pela luz matutina.

Que o amor 
é um verso 
esculpido.
Um gesto, 
um carinho, 
um cuidado, 
um silêncio, 
um dedo, 
dois.

Uma solidão 
e um universo 
vivido, 
compartilhado.

Que no amor 
cabe tanto, 
as palavras traídas, 
as palavras esquecidas 
e a poesia 
que não é dita 
pela língua escrita, 
pela língua grafada, 
mas pela língua sentida 
por essa beira, 
por aquela curva, 
no vale 
e na planície, 
da tua pele quente 
que conhece 
os segredos da noite 
e os prazeres 
de uma manhã cálida
de amor doce, 
amor vivido.

Que o amor se vive 
em dias
de lagoa e calmaria, 
em noites desertas 
de saudade, 
em momentos de turbilhão 
e tempestade.

Na pequena morte do gozo 
e na sinceridade do pranto.

Que o amor é breve, 
de passagem, 
é tudo 
e a eternidade 
quando se vive junto, 
quando se sonha junto, 
quando a caminhada é conjunta.

Que o amor é mais 
quando uma mão 
encontra a outra, 
quando o olho sabe 
do brilho que existe 
no alhar alheio.

Que o amor é o meio, 
façamos dele 
o ponto de partida, 
o porto de chegada, 
a substância da própria vida.
Teu nome me ronda. 
tarde fria e vazia. 
quente, o gole preto 
rememora a pele. 

Teu nome me assombra. 
refúgio plantado 
entre raios amarelos 
que ora tocam, 
ora tangenciam, 
pequena brevidade cutânea. 

Nome, 
que fim é começo, 
que cede ao início de outro;
a primeira, 
ou última sílaba,
circunda a cilada
da tônica 
trazida à tona 
pelo movimento 
da tua boca 
que acentua 
o lenço molhado, 
suado. Tecido úmido de desejo,
ou de sonho, 

ou do labirinto 
no movimento circunflexo 
que se abre perplexo 
na tônica que acentua 
a cilada da memória 
na tarde fria e vazia. 
Porta aberta.
por esse retângulo, 
entre formas, 
vejo a paisagem verde 
tocada pela luz amarela. 

É um brilho amarelo. 

É dia. 

Pássaros escondidos 
entre arestas, 
nos cantos do galpão, 
cantam, 
insistentes. 

Pequenos ruídos anunciam 
que existe vida, 
ou possibilidade de energia 
- vital – 
para além das paredes 
que se encerram 
neste canto. 

Para além do teto de alumínio, 
entre eu e ele, 
esse espaço vão
de atmosfera quente 
e silenciosa
pressiona. 

Apenas o silêncio anuncia 
que a existência continua. 

Somente calado 
posso deixar que o sonho, 
que gravita
em torno do abismo, 
permaneça aceso.

Continue a me convidar 
a acreditar 
que um dia 
poderei agarrar 
cada dia
como sinto 
a pontada 
dessa asa
despenada, 
despontada, 
presa na garganta. 

A possibilidade do grito 
continua viva:

- Cortejo entre o futuro 
e a liberdade prossegue. 
Seria prudente 
não pensar em ti 
agora que você deixou 
a porta meio aberta 
e me disse 
para desenhar a partida 
sem a meia volta. 

Seria uma providência 
não agitar a consciência 
com as pausas 
e reticências 
que habitam o intervalo 
entre uma palavra e outra
dita pela tua boca, 
escrita pelo encontro vivido 
no caminho 
entre um dedo e outro. 

Seria coerente 
nesse compromisso 
com o tempo presente 
não ter a alma 
e a carne dos lábios 
despertas 
pela tua imagem 
que me visita 
quando as pálpebras 
estão fechadas. 

Ou quando entardeço 
com os olhos encantados 
pela poesia que toca 
a esperança incongruente, 
impertinente, 
que permanece acesa 
dentro do meu coração. 

Seria assertivo 
não rever 
pontos e signos 
em busca de algum sentido 
submerso 
nas mensagens enviadas, 
compartilhadas, 
trocadas. 

Seria calmo, 
tranquilo, 
quase normal, 
não ser envolvido 
pela melodia onírica 
que revela 
por segundo, 
por hora, 
por tempo 
que não pode ser medido, 
a textura 
do teu peito 
aberto, 
desvelado, 
nu, 
no movimento da língua 
que reconhece o desejo 
na gênese do beijo 
na ponta 
do bico vermelho, 
rosado, 
plantado, 
na pele branca tua. 

São 
beijos miúdos, 
beijos vorazes, 
aprendizes, 
inquietos, 
impacientes, 
delicados, 
ardentes, 
carinhosos, 
conduzidos 
pelo tempo do teu coração, 
da tua pulsação. 

Pelo assopro do teu desejo, 
pelo ritmo da tua cintura, 
pelos caminhos renascidos 
no encanto quente 
da tua pele. 

Esse aroma, 
esse cheiro, 
esse odor. 

Esse jeito 
logo abaixo 
da linha da cintura. 

Logo ali, 
entre seus rins, 
suas pernas, 
que seus lábios têm 
de se abrirem 
como pétalas 
para o carinho 
doce, 
suave, 
úmido 
e único 
da minha língua. 
Todos os nomes, 
todos os números, 
todos os encontros, 
todas as músicas, 
luzes e sons

que me lembram você, 
que me lembram. 

Todas as palavras, 
timbres e imagens. 

O mesmo sonho 
que emergiu 
do outro lado 
do rio,
na beira daquela margem. 

E aquela esquina
que me lembra você, 
que me lembra. 

Todas as máscaras 
que quis deixar ao chão, 
todas as fugas 
trancadas na mala esquecida 
no fundo de algum armário. 

Para que na próxima curva 
eu pudesse encontrar 
outro lugar, 
uma nova memória 
para que essa história 
não fosse tanto 

um lance de dados, 
uma carta na manga, 
uma jogada de sorte. 

Todos os encontros 
para que pudesse reencontrar 
em pelo menos um 
passo dado 
a beleza do acaso. 

Todas as respostas
que não poderia ter, 
todas as senhas 
que não saberia, 
que poderia esquecer, 

diante do abraço 
do inesperado. 

e o sentido se abrir 
para sentir 
que 

esse sonho não revela. 

Não há setas 
na próxima curva. 

Viver para saber 
que a minha vida 
pode ser encontrada. 

que existe uma vida 
que pode ser sonhada. 

que há possibilidade 
de vida amada 
entre o céu e a terra, 
na beira do caos, 
naquela paralela
de luminosidade latente 
entre as estrelas. 

Na cadência 
da tua trajetória 
a faísca 
de uma nova memória. 

 dentro da caixa  tem lápis de cor fora da caixa  existem cores  no céu na água do rio  na onda do mar  no arco-íris  no brilho  da íris  de...